terça-feira, 26 de abril de 2011

Post saudosista: O Rio de antigamente

 Acabei de ler o livro "1822" do Laurentino Gomes (recomendo!) e novamente terminei com a vontade de ter conhecido o Rio de antigamente. Uma das coisas que mais tenho vontade de ter visto é o Morro do Castelo, implodido em 1921, sob a desculpa que afetava a circulação de ventos no Centro da cidade, bem como facilitava o escoamento da água.


Morro do Castelo em pintura de 1885

Eu sei que essa desculpa de escoamento pelo menos é fajuta, pois estudei na Rua da Assembléia, no que seria o sopé do morro, e a água continua retida ali em dias de temporais como foi o de ontem! Mas reclamações à parte, volto ao assunto: o que dizer de uma cidade que implode seu primeiro núcleo urbano, isto é, o que dizer de uma cidade que implode o seu local de fundação, o marco zero?! Seria como se São Paulo implodisse o pátio do colégio.

Aliás no Morro do Castelo havia um colégio de jesuítas igualzinho àquele encontrado em São Paulo, e como nessa cidade a vida no Rio também começou ali. As populações resolveram habitar as regiões vizinhas ao morro, delimitada por outros morros (Morro de Santo Antônio --- também implodido, onde hoje é a Av. Chile com as sedes da Petrobrás e do BNDES---, Morro de São Bento --- intacto--- e Morro da Conceição --- também intacto, região atrás da Praça Mauá, atrás do edifício "A Noite").

Vista do Morro Santo Antônio em pintura de 1816
A cidade do Rio de Janeiro para quem não conhece é cheia de morros e montanhas e a população portuguesa encontrou aqui condições similares das que existiam em Lisboa e em Salvador, ou seja, casas construídas nas partes altas e baixas da cidade. Entretanto, o Rio tinha uma particularidade era uma grande várzea (planície coberta de rios e lagoas)  espremida entre as montanhas do Maciço da Tijuca e o Oceano Atlântico. Construir uma cidade ali, de fato exigiu certo esforço de engenharia: rios foram canalizados, lagoas foram drenadas e aterradas e o mar foi recuado.

Fico imaginando como seria pegar um barco ou uma balsa para ir do Centro (no final da Av. Rio Branco) e atravessar a Lagoa do Boqueirão (atualmente Passeio Público) até a Glória; ver do Outeiro da Glória o mar batendo logo abaixo da Igreja, onde é a Av. Infante D. Henrique, atual Aterro do Flamengo; ver da Igreja de Santa Luzia a Praia de Santa Luzia, fazendo daquela uma igrejinha à beira do mar; ver do Chapéu do Corcovado o grande areal que era Copacabana; ver os palacetes dos ricos e poderosos no Flamengo e em Botafogo, ver a foz do Rio da Carioca em seu estado e localização originais; ver a Quinta da Boa Vista das pinturas do século XIX, um palácio praticamente isolado do resto da cidade; ver as chácaras nas encostas dos morros na Tijuca e no Cosme Velho; ver o Aqueduto da Carioca efetivamente funcionando, levando água do Morro de Santo Antônio para o Morro do Desterro, atual bairro e morro de Santa Teresa; ver a planície de Jacarepaguá repleta de engenhos de açúcar; andar pela Estrada Real de Santa Cruz que ligava o Centro (Paço Imperial) até a Real Fazenda de Santa Cruz (atualmente quartel do Exército--- Batalhão de Villagran Cabrita--- no bairro de Santa Cruz).

Morro de Santa Teresa, aqueduto da Carioca, Lagoa do Boqueirão em pintura do século XVIII

Vista do Morro do Mirante, vê-se ao fundo a Real Fazenda de Santa Cruz
Sede da Real Fazenda de Santa Cruz, hoje sede do Batalhão de Engenharia de Villagran Cabrita
Concordo que algumas intervenções foram necessárias, como por exemplo o reflorestamento do Maciço da Tijuca, devastado pelas plantações de café, que fizeram com que os verões no Rio tornassem-se mais insuportáveis do que já eram, sem água e cheio de doenças.

Porém sinto falta deste Rio que eu não conheci, nem ninguém que eu conheça pode me contar que viu o que está relacionado acima. Imagino que habitantes de outras cidades grandes como Rio tenham essa mesma sensação saudosista. Entretanto acho que os cariocas deixaram por tempo demais essas intervenções ocorrerem. Hoje vivem numa cidade irreconhecível aos olhos de quem viveu há 100 anos atrás. Uma cidade que bem poderia ser um grande canteiro arqueológico.

Aliás, estou muito interessada em ver o que a Prefeitura vai achar ao escavar o "mergulhão" que dará lugar ao atual Elevado da Perimetral. Escavará as áreas de ocupação mais antiga na cidade do Rio de Janeiro: onde era o Morro do Castelo, imediações do Morro da Conceição e do Morro de São Bento e do antigo Porto do Vallongo, o maior porto de desembarque de escravos das Américas.

Muito ainda será descoberto desse Rio antigo, mais coisa para eu sentir saudades.

Obrigada e até o próximo post!

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