quarta-feira, 4 de maio de 2011

Um quadro bastou: Poesia em forma de pintura

Lembro-me como se fosse ontem: minha primeira visita ao MASP. Havia uma exposição sobre surrealismo, uma escola artística que eu pouco sabia e não dava a menor importância, pois para mim só existia Monet e o Impressionismo. A forma como ele pintava a luz, como ele a via, era fantástica para mim. E continua sendo, porém naquele fatídico dia de 1995, Monet ganhou um concorrente, seu nome era René Magritte.

Magritte, belga, nascido no final do século XIX, representante do movimento surrealista, assim como Miró e Dalí, pintou vários quadros, dentre eles, o que bastou: O Império das Luzes.


É um quadro relativamente simples num primeiro olhar, mas olhe novamente, olhe bem! Olhe a metade de cima do quadro, é um céu azul, diurno. Já a metade de baixo denota uma cena noturna. Esse paradoxo bastou para me convencer de que Magritte era um dos melhores pintores que já existiram. Repare bem, leitor, se você não olha de forma compartimentada (metade de cima e metade de baixo) essa cena lhe parece completamente realista, quando na verdade não é, ela é ilusória, surrealista. Quando perguntado sobre essa obra ele simplesmente respondeu: "A paisagem leva-nos a pensar na noite, o céu no dia. Na minha opinião, esta simultaneidade de dia e noite tem o poder de surpreender e encantar. Chamo a este poder de poesia."

Magritte estava certo e como todo bom poeta continuou a produzir seus "versos" coloridos, versos inclusive metalingüísticos como na pintura "A traição das imagens":


A inscrição na pintura quer dizer este não é um cachimbo. Num primeiro momento tem-se o baque em pensar: "Como assim isso não é um cachimbo?!" Pensa-se em significados ocultos escondidos dentro das pinceladas da pintura, ao que Magritte responde simplesmente: "E afinal alguém consegue enchê-lo de fumo?! Não. É apenas um desenho de um cachimbo. Se tivesse escrito por baixo do meu quadro "isto é um cachimbo", estaria mentindo."

Até sua morte esse pintor brincou com as impossibilidades dentro do real, como por exemplo no quadro "A chave de vidro":


Neste quadro temos o peso de uma pedra gigantesca contrastando com a leveza à qual lhe é atribuída pela pintura.

Ele brincou inclusive com a filosofia hegeliana nos quadros "Elogio da Dialética" e "As férias de Hegel", nos quais temos as regras de demonstrações lógicas (tese, antítese e síntese) utilizadas em imagens lúdicas. Para Hegel é preciso saber o oposto de ser para entendermos o ser (negação do ser), compreendermos sua função, objetivo, o seu conceito.

"As férias de Hegel" - "Pensava que Hegel...teria sido muito sensível a este objeto que tem duas funções opostas ao mesmo tempo, repelir a água e contê-la." - Magritte

"Elogio da Dialética" - "Um interior sem exterior dificilmente constitui  um interior" - Hegel
Espero que tenham gostado desse post um pouco mais filosófico e poético. Convido aos leitores a pesquisarem mais sobre a obra desse pintor magnífico e ver a poesia nas imagens, assim como ele queria que a víssemos.

Obrigada e até o próximo post!

domingo, 1 de maio de 2011

Mais um post sobre o casamento real: A família

Casamentos são festas para agregar a família como um todo. É uma celebração que visa dar boas-vindas àquela nova pessoa que entra no seio familiar e a união de duas famílias, as quais com o nascimento de herdeiros serão uma só.

Muito se falou na sexta-feira que dignatários de outros países não foram convidados para celebração. Somente membros da realeza européia e amigos próximos das famílias. Eu não vi a lista, mas imagino que um sultão e um sheik à parte, TODOS os monarcas, reinantes ou não, presentes ao casamento pertencem à mesma família.

Tudo começou há um pouco mais de 200 anos atrás. Um plano arquitetado com o simples objetivo de prevenir que outro Napoleão surgisse e engalfinhasse a Europa toda em uma nova guerra. O raciocínio, já antigo naquela época, consistia em colocar parentes sanguíneos em tronos diversos e até rivais da Europa, com o objetivo de trazer a discussão diplomática para o seio familiar, partindo do pressuposto que a família é mais importante do que os interesses de Estado.

Isso ficou bem exposto quando em meados dos anos 50 falou-se da volta da Grã-Duquesa Anastácia da Rússia, que era considerada como viva pelos anti-comunistas, isto é, uma relíquia supostamente viva do esplendor da corte dos Romanov. Anastácia foi de fato assassinada junto com seus pais e irmãos em 1918, fato este comprovado pela exumação dos corpos, encontrados numa floresta da Sibéria, e eventual realização de testes de DNA no final da década passada. Porém volto ao tema: em meados dos anos 50 apareceu uma sueca com nome de Anna Anderson que se dizia ser a Grã-Duquesa que havia perdido e recuperado sua memória,  o que fez com que muitos acreditassem na história dela. Muitos, mas não todos. O tio-avô do noivo mais comentado do momento, irmão do Príncipe Philip, chamado de Louis, Lord Mountbatten foi chamado para comentar o assunto da volta de Anastácia na figura de Anna Anderson. Ele foi categórico: "Ela não é minha prima, se fosse eu saberia".

O que Lord Mountbatten quis enfatizar é que a família saberia se um membro de seu seio escapou da carnificina produzida pela Revolução Bolchevique de outubro de 1917. Fato que infelizmente não ocorreu. Aliás, o Czar Nicolau II, primo do Rei George V do Reino Unido, pensou até o último minuto que o primo poderoso iria salvá-lo de alguma forma. Para o Rei só restou a amargura da omissão na ação e um país a reconstruir depois de uma guerra mundial (o Reino Unido não teve guerra em seu território, porém viu 2,19% de sua população morta nas trincheiras européias).

A família de Lord Mountbatten chama-se Saxe-Coburgo-Gotha. Nome de um ducado ínfimo na atual Alemanha. O projeto começou tímido porém ousado. Em 1796 a irmã mais velha dessa família (que na época se chamava Saxe-Coburgo-Saalfeld), Juliana, casou-se com o Grão-Duque da Rússia Constantino, irmão do czar da Rússia. Desse casamento não houve herdeiros, porém houve influências. O irmão mais novo dela, Leopoldo, tornou-se um favorito na corte russa. Sendo incluído nas fileiras militares como coronel, ainda com 6 anos de idade. Sem ter perspectivas de assumir o ducado de seu pai (por ser o irmão mais novo), ele teve que "dar um rumo à sua vida", e foi o que fez, com a aproximação de Napoleão, ele tornou sua nomeação de coronel efetiva e começou a traçar sua carreira militar.

Entre as idas e vindas da guerra ele conheceu não só o próprio Napoleão, como também o Príncipe Regente do Reino Unido. Este era filho do famoso Rei George III, que perdeu as 13 colônias (agora EUA), e ficou louco ("As loucuras do Rei George" retrata isso). O Príncipe Regente tinha uma filha, Carlota, que estava comprometida com o Príncipe da Holanda, Guilherme. Entretanto, ela não queria se casar com ele (havia boatos de que ele era bissexual, além de bêbado), pois queria levar uma vida sem escândalos--- escândalos na família real britânica não são um fenômeno do último século, a mídia tinha um prato cheio com o casamento falido dos pais de Carlota. Além do mais um casamento com o futuro Rei da Holanda implicava em passar 6 meses do ano lá e os outros 6 em Londres, o que ela não queria terminantemente. O czar da Rússia, Alexandre, sabendo que a princesa queria no final das contas casar-se com alguém adequado e por amor e, principalmente, querendo aliar a poderosa marinha mercante holandesa à marinha de guerra russa (ainda em construção), pensou numa saída: apresentaria Leopoldo à Carlota, para que Guilherme ficasse livre para casar com a irmã, Anna.

O que aconteceu? Carlota e Leopoldo casaram-se em 2 de maio de 1816 e Guilherme e Anna em 21 de fevereiro do mesmo ano. Em 1817 Carlota morreu de parto e Leopoldo perdeu seu "rumo na vida". Entretanto, seu sogro e os parlamentares britânicos, que gostavam dele, o consideraram para assumir um trono de um Estado recém-criado para servir de obstáculo entre a França e a Holanda, a Bélgica. Em 1831 Leopoldo se tornou Rei dos belgas e começou uma dinastia, a de Saxe-Coburgo-Gotha, que perdura no trono até hoje. Porém bem antes disso, Leopoldo conseguiu a vitória suprema para colocar sua família no grau de relevância das realezas européias: teve uma sobrinha e um sobrinho.

Com a morte de Carlota, a única herdeira legítima do trono britânico, houve uma "corrida" dos tios dela para casarem-se e terem herdeiros legítimos (pasmem: todos estes tios eram homens de meia-idade que nunca tiveram um relacionamento oficial, somente amantes e concubinas). Um desses tios casou-se com a irmã de Leopoldo; Eduardo de Kent casou-se em 1818 com Vitória de Leiningen, uma viúva alemã pobre com dois filhos. Desse casamento nasceu em 24 de maio de 1819 "A Sobrinha": Alexandrina Vitória, que a partir de 1837 seria conhecida como Rainha Vitória, a monarca que mais tempo reinou no Reino Unido, 64 anos.

No mesmo ano de nascimento da sobrinha, em agosto, nasceu o sobrinho: Alberto. Nasceu na mesma cidadezinha que Leopoldo nasceu, Coburgo na Alemanha, então capital do ducado de Saxe-Coburgo- Gotha. Como os primos de primeiro grau nasceram no mesmo ano e, como Leopoldo, Alberto era o irmão mais novo e não assumiria o ducado do pai, ele deveria "dar um rumo à sua vida" casando-se com sua prima inglesa. O casamento aconteceu em 10 de fevereiro de 1840. Desse casamento nasceram nove filhos e estes nove filhos casaram-se com diversos monarcas, príncipes, princesas, imperadores estrangeiros e tiveram filhos que também casariam-se com diversos monarcas, etc.

O fim da história: Os descendentes dos Coburgo, como é chamada a família acima mencionada, ocupam atualmente os tronos de Reino Unido, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Noruega, Suécia, Espanha. Ocuparam no passado também tronos que não existem mais como: México, Rússia, Alemanha, França, Portugal, Grécia, Bulgária e até do Brasil ( a Princesa Isabel foi casada com o Conde D'Eu que pertencia via linha materna à mesma família). Ocupam também a chefia de casas nobres que apesar de não mais governarem nada, ainda tem o "sangue azul", como Hannover, entre outras.

Agora deu para entender o por quê de só haver gente da família no casamento do século, né?! O plano de evitar guerras com casamentos de fato falhou, pois desde que os Coburgo assumiram os seus devidos tronos o mundo passou por diversas revoluções e duas guerras mundiais, o que prova que em negócios de Estado a família sempre fica em segundo plano.

Termino este post com uma anedota: A Princesa Leopoldina do Brasil, filha de D. Pedro II, casou-se com Luís de Saxe e após uma breve residência no Brasil, foi morar com o marido e filhos em Coburgo, terra natal dele, morreu lá ainda jovem em decorrência de um parto mal assistido, aos 24 anos. Os habitantes da cidadezinha ficaram comovidos com a morte dela e a reverenciavam sempre que podiam. Ela foi enterrada em Coburgo dentro da igreja que contém todos restos mortais dos duques e duquesas de Coburgo. Não sei se tem a ver com a passagem da Princesa do Brasil pela cidade, mas Coburgo é considerada a capital do samba na Europa. Isso mesmo, você não leu errado, lá há inclusive um festival de samba que ocorre em julho.

Para o leitor ver que "a família" tentou inclusive chegar no Brasil...

Obrigada até o próximo post!