sexta-feira, 11 de março de 2011

Amazing Grace: Quaresma

Alguns de vocês já devem ter ouvido um hino religioso chamado "Amazing Grace" em filmes americanos ou ingleses, geralmente cantado por um coro de fiéis em igrejas protestantes. A letra fala da salvação da alma através da Graça Divina. (http://www.surfinthespirit.com/music/amazing-grace2.html)

O autor desta música de fato precisava de salvação, pois sua profissão não era das mais cristãs. Seu nome era John Newton, nascido na Inglaterra no século XVIII, e sua profissão era a de traficante de escravos. Para expiar seus pecados tornou-se clérigo anglicano e lutou até o final da vida para ver com que seu erro não pudesse mais ser cometido. Por anos ele conviveu com os seus "20 mil fantasmas africanos", todos negros que não chegaram aos seus destinos finais (plantações de açúcar na Jamaica e demais pontos compradores da costa americana), pois morreram em trânsito de doenças infecciosas, de maus-tratos, em brigas com seus transportadores, etc. Todos tiveram o mesmo destino: foram jogados ao mar, alguns ainda vivos inclusive.

Relatos sobre o tráfico de escravos são imensamente conhecidos como por exemplo o poema de Castro Alves, "Navio Negreiro". Os cantos IV e V deste poema, para mim, são os piores em termos descritivos, pois relatam a miséria e a morte destas vítimas indefesas (http://www.culturabrasil.pro.br/navionegreiro.htm). Outro relato é a pintura de Rugendas ("Porão de um navio negreiro").


O próprio Newton escreveu o seu relato em "Thoughts upon the African slave trade" (http://dlxs.library.cornell.edu/cgi/t/text/pageviewer-idx
c=mayantislavery;idno=21874801;view=image;seq=1).

Não é à toa, diante destes exemplos, que um traficante de escravos como Newton iria querer expiar todos os seus pecados. Todavia, segundo a tradição cristã, para haver a expiação é preciso antes haver o arrependimento e este é um dos motes para a existência da Quaresma cristã: 40 dias de arrependimento para haver a expiação dos pecados cometidos e, celebrar a Semana Santa novamente "puro de coração".

Hoje em dia a Quaresma perdeu completamente seu sentido, assim como o Carnaval. Este seria a época do ano em que as pessoas poderiam cometer certos excessos com autorização da Igreja, sem que houvesse a necessidade de represálias imediatas. Nos 40 dias que se seguiam ao Carnaval as pessoas deveriam entrar em jejum introspectivo, pensando no que fizeram e se arrependendo de seus pecados. Abster-se de alimentação seria a forma de expiar estes pecados cometidos.

Diante do fato que, atualmente, ninguém faz isso, será que deixamos de nos preocupar com a salvação das nossas almas, ao contrário de Newton? Será que como Fausto nos deixamos levar pela eterna insatisfação e nos vendemos à Mefistófeles? Creio que este conflito matéria e espírito continuará a nos interessar e principalmente, a nos dividir: aqueles interessados em Wall Street e aqueles interessados no Reino dos Céus.

Obrigada e até o próximo post!

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